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Brevíssimo Panorama da Antropologia Brasileira

Brevíssimo Panorama da Antropologia Brasileira

 

[texto panorâmico sobre as principais correntes da Antropologia no Brasil, dando algumas nuances sobre o estado da arte da disciplina[1]]

 

Waldney de Souza Rodrigues Costa[2]

 

O termo qualitativo “brevíssimo” no título deste texto expressa adequadamente a intenção de seu autor: comunicar por alto um tema que precisa ser mais bem explorado. O texto não dará detalhe algum, mas servirá de base para aqueles que desejam ter um contato inicial com a antropologia como área de conhecimento no Brasil. O que pode interessar tanto a calouros da área, quanto para estudiosos de outras áreas que desejam alargar horizontes em direção a uma proposta interdisciplinar. Será apresentado um panorama em dois sentidos: uma visada rápida pela constituição deste campo disciplinar e um mapeamento dos principais temas trabalhados e das principais linhas de pesquisa, embora estas tenham se diversificado muito ultimamente. Para tanto, muitas lacunas não serão preenchidas. O leitor que se interessar poderá consultar a bibliografia citada e, assim, buscar preenchê-las.

Uma característica muito marcante da Antropologia desenvolvida no Brasil é que os brasileiros parecem estar engajados em se entenderem. É recorrente nos textos que trabalham o estado da arte da disciplina a ideia de que fazemos uma “antropologia de nós mesmos”, o que é bem diferente, por exemplo, do tipo de antropologia que é produzido na França, que é voltado para outros povos. Todavia, esta característica dos antropólogos brasileiros não ocorre por uma espécie de etnocentrismo, preconceito, ou fechamento dos pesquisadores em alguma espécie de gueto, pois outro traço marcante é o constante intercâmbio, não só com outras áreas do conhecimento, como também com a produção antropológica exterior, como foi destacado por Mariza Corrêa (1988). Um dos exemplos recentes deste intercâmbio foi a presença de Lévi-Strauss no quadro de professores da Universidade de São Paulo (USP).

No roteiro elaborado por Melatti (1990) esta produção antropológica brasileira foi dividida em: cronistas, etnologia, antropologia física e arqueologia. Os cronistas seriam aqueles que fizeram relatos etnograficamente relevantes que podem ser trabalhados, a exemplo do que fez Florestan Fernandes (1963) em seu estudo sobre os tupinambás. A antropologia física está intimamente relacionada com a biologia. E há também uma arqueologia realizada no Brasil. Contudo, o campo antropológico de maior peso é este que Melatti chama de “etnologia” que está ligado à antropologia social e à antropologia cultural. É neste campo que as características supracitadas são mais evidentes.

O desenvolvimento deste campo da antropologia brasileira foi dividido por Cardoso de Oliveira (1988) em três períodos históricos que se referem a etapas de sua constituição. São eles o heroico, o carismático e o burocrático. No primeiro, que vai até os anos 30, a antropologia era realizada internamente a outras ciências sociais. Mas já era possível perceber a formação de duas temáticas que se tornariam mais evidentes no período seguinte: a sociedade nacional e as sociedades indígenas.

No segundo período, chamado por Cardoso de Oliveira (1988) de carismático, ficava bem claro o engajamento dos antropólogos em uma “etnologia indígena” e em uma “antropologia da sociedade nacional”. Estes dois termos são recorrentes entre aqueles que visam mapear as primeiras preocupações dos antropólogos no Brasil. No período que vai dos anos 30 até meados da década de 1960, a antropologia alcança proeminência no país. Um exemplo disso é a criação da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) nos anos 50 e o início das reuniões Brasileiras de Antropologia (RBA).

Apesar destes avanços significativos, é somente na terceira etapa que o campo antropológico estará definitivamente constituído no Brasil. É o período burocrático, iniciado em meados da década de 1960. O diferencial deste período é o surgimento das pós-graduações nas principais instituições que ainda hoje são referência no campo da Antropologia no Brasil, tais como o Museu Nacional da UFRJ, a UNB e a USP.

A divisão de Cardoso de Oliveira é praticamente a mesma de Melatti, mas este avança na produção mais recente destacando o surgimento de novas linhas de pesquisa e, com elas, novas preocupações. Destaca-se o surgimento de uma “antropologia das minorias” e a emergência dos “estudos urbanos”. Estes, a despeito de uma resistência da geração anterior de antropólogos, parecem ter encontrado um caminho para se desenvolver grandemente. Um dos exemplos é o Núcleo de Antropologia Urbana (NAU) da USP, que tem apresentado reflexões muito importantes.

Por fim, também sobre a produção mais recente, talvez seja importante destacar o balanço realizado por Paula Montero (2004). Ela constatou grande diversificação de temas, de forma que a antiga clivagem entre “etnologia indígena” e “antropologia da sociedade nacional” não funciona mais desta forma. Chama a atenção a sua crítica à antropologia da religião realizada no Brasil. Para Montero, a antropologia, de maneira geral, parece ter migrado de uma análise de objetos para uma análise de relações, e ter ganhado muito com isso. Todavia, esta tendência não foi seguida nos estudos de religião. A antropologia brasileira da religião ainda parece se referir exclusivamente a objetos e, assim, acaba contribuindo para a reificação de sistemas de crença auto referidos, quando, na prática, a religião se encontra cada vez mais desinstitucionalizada. Permanece então o desafio para os estudos antropológicos nesta área.

 

REFERÊNCIAS

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O que é isso que chamamos de antropologia brasileira. In: Sobre o pensamento antropológico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro/São Paulo: EDUSP, 1988.

CORRÊA, Mariza. Traficantes do excêntrico: os antropólogos no Brasil dos anos 30 aos anos 60. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 6, p. 79-98, 1988. Disponível em: < https://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_06/rbcs06_05.htm >. Acesso em: 10 abr. 2014.

FERNANDES, Florestan. Organização social dos Tupinambá. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1963.

MELATTI, Julio Cezar. A Antropologia no Brasil: um roteiro. In: O que se deve ler em ciências sociais no Brasil. v. 3. São Paulo: Cortez /ANPOCS, 1990. p. 123-211

MONTERO, Paula. Antropologia no Brasil: tendências e debates. In: TRAJANO FILHO, Wilson; RIBEIRO, Gustavo Lins (orgs.). O campo da Antropologia no Brasil. Rio de Janeiro: Contra Capa Editora; ABA, 2004. p. 117-142.

 



[1] Escrito inicialmente como uma das avaliações da disciplina “Antropologia Brasileira” ministrada pela professora Dra. Elizabeth Pissolato na graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG.

[2] Mestrando em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF como bolsista CAPES. Bacharel em Ciências Humanas (2012) pela mesma instituição e em Teologia pela Faculdade Unida de Vitória – ES (2011). Desenvolvendo pesquisa na área de ciências sociais da religião, sob a orientação do professor Dr. Emerson José Sena da Silveira. E-mail: dnney@ibest.com.br