A emergência da Ciência Política no Brasil e nos Estados Unidos
Waldney de Souza Rodrigues Costa[1]
A emergência da Ciência política como um campo acadêmico de conhecimento é relativamente recente em comparação com outras áreas do saber. Tal processo a aconteceu no Brasil guardando uma série de afinidades com a forma como aconteceu nos Estados Unidos, mas ainda assim apresenta algumas peculiaridades. As três principais características da emergência da Ciência Política nos Estados Unidos são que este saber surge com um grande comprometimento com o Estado, sob uma grande influencia de agências financiadoras e sob um projeto cientificista que levava a priorizar certas teorias e metodologias no processo de conhecimento.
Feres Júnior (2000, p. 97) comenta que “a Ciência Política é uma inversão americana”. Não que os americanos tenham inventado a reflexão política, mas sim uma profissão específica, a do especialista em assuntos políticos. Por isso, a Ciência Política estadunidense veio a se tornar um modelo para o mundo. Seguindo a interpretação de Feres Júnior neste texto, há duas histórias a se contar sobre o seu processo de emergência, uma dita oficial e outra periférica. Nas duas há uma ideia de que o Estado é muito influente no surgimento da disciplina. Na oficial ela é vista como uma “ciência do Estado” à serviço da democracia (um modelo) e na periférica uma ciência que esteve a serviço de uma política de guerra, alimentando a Guerra Fria. Sobre este último ponto, cabe lembrar que a Segunda Guerra Mundial definiu a identidade da Ciência Política Americana, como pontua Kasahara (2008).
O segundo aspecto da Ciência Política Americana a ser destacado é a influência de instituições privadas no financiamento de pesquisas, realidade ainda a ser pesquisada, segundo Feres Júnior (2000, p. 105). Mas este mesmo autor já adianta que temas controversos eram deixados de lado visando o financiamento (Ibid., p. 104). Cabe notar a influência da Fundação Ford, a mesma instituição que influenciará fortemente a emergência da Ciência Política no Brasil, com um papel de destaque no financiamento de pesquisas, como apontam Keinert e Silva (2010, p. 82) e Forjaz (1997).
O terceiro aspecto é a questão do cientificismo positivista que leva os cientistas a privilegiarem alguns métodos e teorias em detrimento de outros. No caso estadunidense ocorreu o que Kasahara (2008, p. 16) chama de “revolução behaviorista” que fazia a análise se voltar para “o comportamento de atores políticos e sua interação com a realidade que os envolve”. Feres Júnior (2000, p. 101) chama a atenção é para o fato de que antes desta revolução não havia distinção entre a teoria política e a ciência política. Agora a teoria política é ignorada pelas outras áreas mais “aplicadas”. Estas, por sua vez passam a privilegiar métodos quantitativos e revisitar repetidas vezes a filosofia da ciência em busca do “tão almejado, mas nunca alcançado status científico” [grifo original] (Ibid., p. 101).
O processo de emergência da ciência política no Brasil parece ter guardado algumas afinidades com estes aspectos apresentados. Keinert e Silva (2010) comentam como o Brasil foi influenciado pela “ciência do estado” estadunidense, no sentido de que a Fundação Ford desencadeava vários processos de ideologia do progresso em direção ao modelo americano de trabalho intelectual, com uma espécie de profissionalização da vida acadêmica. Comentam também como os métodos quantitativos foram vistos como via privilegiada de acesso à realidade.
Mas há algumas especificidades no contexto brasileiro. Algumas delas são apontadas pela própria Forjaz (1997), a partir da observação das instituições. Uma das coisas que esta autora mais chama a atenção é para a influência marxista, sobre a produção paulista. Isso gerou um caloroso debate com o eixo minas-rio. Tanto os cientistas políticos formados pela UFMG, onde foi localizado o primeiro mestrado em Ciência política do Brasil, quanto os cientistas políticos locados no IUPERJ, apesar de suas diferenças, rejeitam o marxismo da Escola Sociológica Paulista. A disputa entre estas vertentes de pensamento é um dos fatores que dinamizam a ciência política brasileira em comparação com os Estados Unidos.
REFERÊNCIAS
KASAHARA, Yuri. Qual democracia? Uso de referenciais normativos em estudos comparativos. Disponível em: < https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/1726/TpD%20003%20-%20Kasahra%20-%20Qual%20Democracia.pdf?sequence=1 >. Acesso em 23 mar. 2014.
[1] Mestrando em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF como bolsista CAPES. Bacharel em Ciências Humanas (2012) pela mesma instituição e em Teologia pela Faculdade Unida de Vitória – ES (2011). Desenvolvendo pesquisa na área de ciências sociais da religião, sob a orientação do professor Dr. Emerson José Sena da Silveira. E-mail: dnney@ibest.com.br