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O QUE É LAZER?

O QUE É LAZER?

Breve discussão sobre as diferentes concepções deste fenômeno.[1]

Waldney Costa[2]

 

RESUMO: Este texto é uma breve reflexão sobre as diferentes concepções de lazer.

 

INTRODUÇÃO:

Lazer é um tema eminentemente interdisciplinar, pois perpassa estudos não só em Educação Física e Turismo, mas também em Geografia, História e, mais recentemente, ganhou espaço na reflexão de cientistas políticos, sociólogos e antropólogos. Todavia, embora seja reconhecido como um direito social, também é um termo utilizado de muitas maneiras diferentes, não havendo um consenso do seu significado. Tal situação leva a uma grande enruzilhada: o que é lazer? Nela, um caminho escolhido pode condicionar toda a reflexão, e influir sobre os dados pesquisados.

Não sendo aqui o melhor espaço para discutir exaustivamente a questão, serão apenas revisitados alguns conceitos concernentes a este fenômeno, concebidos por pesquisadores aqui julgados essenciais para o entendimento do problema, uma vez que têm sido amplamente citados em bibliografias. As abordagens desses autores não esgotam todas as formas de se conceituar o lazer, mas são consideradas suficientes para a proposta.

Cristina Gomes (2013) constatou, ao pesquisar uma vasta quantidade de bibliografias, que Dumazedier foi o pesquisador estrangeiro que mais influenciou a literatura científica brasileira sobre o assunto. Ao se tornar referência no Brasil, a partir da década de 70, o sociólogo teve seu conceito de lazer citado em diversas obras sobre o assunto. Tal conceito está sistematizado no livro Lazer e Cultura Popular, em que o lazer é apresentado como:

 

[...]Um conjunto de ocupações as quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja divertir-se, recrear-se, entreter-se, ou ainda desenvolver sua formação desinteressada, sua participação social voluntária, ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais. (DUMAZEDIER, 1973, p. 34).

 

Com este conceito, o autor conjuga dois elementos, o tempo e a atitude. Estando preocupado com o fato de que, em muitos casos, o vocábulo lazer é empregado para se referir a apensas um de seus conteúdos, de maneira muito incompleta, ele procura criar uma definição que pudesse circunscrever o fenômeno, conjugando os dois elementos que dividiam duas grandes linhas de pensadores que o precederam. (MARCELINO, 1987, p. 27). Assim, na primeira parte, enfatiza o quesito atitude quando afirma que “o indivíduo pode entregar-se de livre vontade” e, ao final, evoca o quesito tempo ao dizer “após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações”.

Mesmo sem desconsiderar suas contribuições, é importante notar que este sociólogo francês também sofreu algumas duras críticas posteriores, sendo que sua abordagem funcionalista chegou a ser acusada de um “falso humanismo”. (MARCELLINO, 1987, p. 35). Gomes (2008), fazendo uma leitura analítica das críticas apontadas por Faleiros (1980), assinala que a definição de Dumazedier, ao tratar o lazer como fenômeno isolado, se revela frágil por não dar conta de vivências dinâmicas que hoje são facilmente observadas na realidade. Ela cita como exemplo a ambiguidade do conceito de “semilazer” criado pelo próprio pesquisador. (DUMAZEDIER, 1979). 

Esta definição que busca identificar o que é lazer com intensa preocupação em destacá-lo das obrigações, não se mostra suficiente para descrever todas as vivências que hoje as pessoas consideram lazer. Marcellino (1987) percebeu esta limitação e ao propor o lazer como elemento pedagógico, recomenda outra visão que, tanto valorize o fenômeno em si mesmo, quanto entenda a sua íntima dialética com as demais esferas sociais. Inspirado em Geertz (1989), ele defende que o lazer seja interpretado como a “cultura vivenciada no tempo disponível”. (MARCELLINO, 1987, p.29). 

Para Gomes (2008), há hoje uma tendência da literatura científica brasileira a este tipo de abertura antropológica. É o que explora em suas obras posteriores. Ela que, anteriormente (GOMES, 2008), buscando retomar as raízes históricas na Grécia Antiga, entendia o lazer como um fenômeno que englobava quatro elementos, sendo tempo e atitude, conjugados por Dumazedier (1973, 1979), mas também espaço e cultura; explorados por Marcellino (1987); agora volta sua atenção totalmente para o âmbito cultural.

Este posicionamento surgiu após perceber que, quando as raízes do fenômeno são remetidas ao mundo ocidental, quer pela modernidade, quer pela Grécia antiga, as concepções que surgem não contribuem muito para explicar a vivência do lazer em outros contextos marginais, especialmente a América-Latina. Como resultado desta visão, Gomes e Elizalde conceituam o lazer como “a vivência lúdica de manifestações culturais no tempo/espaço social”. (Gomes; Elizalde, 2012, p. 30).

As implicações desse conceito são interessantes. Por um lado há um desapego da ótica do tempo, abrindo a possibilidade de se pensar o lazer sem fronteiras absolutas com outras vivências da cultura, dispensando o conceito ambíguo de “semilazer”. Por outro, há também um desprendimento da ótica da atitude, uma vez que consequentemente se coloca em cheque a opção, característica fundamental para Marcellino (1987, p. 29). Isso porque através desta postura, pode-se enxergar que o indivíduo não é tão livre para optar pelo seu lazer quanto se pensa, pois opta dentro dos limites que a sua própria cultura lhe impõe. Dessa forma, o aspecto mais relevante passa a ser a ludicidade, o que permite colocar o lazer em uma relação dialética não só com o trabalho, mas com todas as dimensões da cultura do sujeito.

Em suma, é possível identificar a partir do que foi dito até aqui, pelo menos cinco visões a respeito do lazer. Se bem que a primeira é na verdade uma “ausência de visão”, ou seja, uma visão acrítica do fenômeno, em que não há uma reflexão mínima sobre o mesmo.A segunda visão é a funcionalista que é a que toma o lazer como correlato do trabalho, focando sua função terapêutica. Esta não foi muito explorada neste texto, mas é a ela que se dirigem algumas críticas de Dumazedier. A terceira é a visão residual ou, como prefiro chamar, reducionista, que é a que interpreta o lazer apenas como o tempo que sobra das obrigações. A quarta é a visão que chamo teleológica, pois enxerga o lazer tendo um fim em si mesmo, valorizando o potencial formador crítico dessa vivência. E, por fim, a quinta visão é a que valoriza a dimensão cultural, interpretando o lazer sob a égide da cultura.

 

Hoje, se torna cada vez mais latente que o caráter residual para com as obrigações, tal como desejava Dumazedier (1973), não fornece um bom aparato para se pensar e interpretar vivências de lazer. Principalmente as que ficam em constante dialética com outras dimensões da cultura, como a religião (shows gospel, por exemplo), educação (festas universitárias), trabalho (viagens a negócios), entre outras. Mesmo a análise de Marcellino (1987), por ser refém da opção, também não dá conta do quadro no qual algumas ficam orbitando. Isso porque nestas atividades, embora os participantes reconheçam certo valor no lazer, outras dimensões podem ganhar maior valor em alguns momentos e limitar suas opções de lazer. Tomar o lazer como vivência lúdica da cultura, parece ser a posição mais adequada para evitar reducionismos.


BIBLIOGRAFIA:

ALMEIDA, Marco Antônio Betinne; GUTIERREZ, Gustavo Luis. O Lazer no Brasil: de Getúlio Vargas à globalização. São Paulo: Phorte, 2011.

BARBOSA, F. S.; MARCELLINO, N. C.; MARIANO, S. H. As Cidades e o Acesso aos Espaços e Equipamentos de Lazer. Impulso, Piracicaba, n. 17, p. 55-66. 2006.

COSTA, Waldney. Lazer em Igrejas Evangélicas: uso dos espaços e estratégias de vivência religiosa e lúdica. In: SEGUNDA JORNADA DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA. Anais... Juiz de Fora: PPGCSO/UFJF, 2013a. 1 CD-ROM.

COSTA, Waldney. O Lazer nos Planos de Governo dos Candidatos à Prefeitura de Juiz De Fora nas Eleições 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciências Humanas) Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2013b.

DUMAZEDIER, Jofre. Lazer e Cultura Popular. São Paulo: Perspectiva, 1973.

______. Sociologia Empírica do Lazer. São Paulo: Perspectiva, 1979.

FALEIROS, Maria Izabel. Repensando o Lazer. São Paulo: Perspectiva, 1980.

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LHC, 1989.

GOMES, Christianne Luce. Lazer e descanso. Seminário Lazer em debate, 9, 2008, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2008.  p. 1-15. Disponível em: < https://www.uspleste.usp.br/eventos/lazer-debate/anais-christianne.pdf.pdf >.  Acesso em 07 ago. 2008a.

______. Lazer, Trabalho e Educação: relações históricas, questões contemporâneas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008b.

______; ELIZALDE, Rodrigo. Horizontes Latino-americanos do Lazer. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.

______; PINTO, Leila. O lazer no Brasil: analisando práticas culturais cotidianas, acadêmicas e políticas. In: ELIZALDE, Rodrigo; GOMES, Christianne Luce; OSORIO, Esperanza; PINTO, Leila (orgs.). Lazer na América Latina. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 67-122.

GOMES, Cristina Marques. Dumazedier e os Estudos Do Lazer No Brasil: Breve Trajetória Histórica. Disponível em: < https://www.ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/dcefs/Prof._Adalberto_Santos/1-dumazedier_e_os_estudos_do_lazer_no_brasil-_breve_trajetoria_historica_12.pdf >. Acesso em 11 jan. 2013

MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 17, n. 49, p. 13-28, 2002.

 

MARCELLINO, Nelson de Carvalho. Estudos do Lazer: Uma introdução. Campinas: Autores Associados, 2006.

______. Lazer e Educação. Campinas: Papirus, 1987.

TACHNER, Gisela. Lazer, cultura e consumo. Revista de Administração de Empresas – ESESP/FGV, São Paulo, v. 40, n. 4, p. 38-47, 2000.

 

 



[1] Este texto é uma versão resumida e adaptada de uma parte do trabalho de conclusão de curso apresentado ao Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Ciências Humanas.  Trabalho que foi orientado pelo professor Edwaldo Sérgio dos Anjos Júnior que, juntamente com os outros professores que formaram a banca, Danielle Machado e Marcelo Knop, merece um agradecimento especial por suas sugestões e críticas que muito contribuíram para a qualificação do mesmo.

[2] Mestrando em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF como bolsista CAPES. Bacharel em Ciências Humanas (2012) e graduando em Ciências Sociais pela mesma instituição e bacharel em Teologia pela Faculdade Unida de Vitória – ES (2011). Desenvolvendo pesquisa na área de ciências sociais da religião, sob a orientação do professor Emerson Sena da Silveira. E-mail: dnney@ibest.com.br