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O Ensino de Sociologia no Ensino Médio

O Ensino de Sociologia no Ensino Médio

Algumas Considerações.[1]

Waldney Rodrigues Costa[2]

 

A recente inclusão da disciplina de sociologia em todos os anos do Ensino médio pela Lei Federal nº 11684 tem acalorado as discussões sobre o próprio ensino de sociologia e sua relação com a educação no Brasil. É neste contexto que se insere a reflexão de Ileizi Silva (2007) que ao problematizar os desafios institucionais e epistemológicos para a consolidação da disciplina, aponta algumas questões que são fundamentais para tais discussões.

Uma grande contribuição de Silva é a sua síntese da elaboração teórica de Bernstein (1996), apresentando o processo pelo qual uma ciência se transforma em disciplina escolar. Para a autora, esse processo é duplo. Num primeiro momento ocorre a contextualização no campo científico/acadêmico, em que são produzidos os conhecimentos e os discursos da disciplina como ciência. Em um segundo momento, há a recontextualização, em que estes conhecimentos e discursos são reinterpretados para serem ensinados nas escolas. Nesta reinterpretação ocorre uma seleção de conteúdos que reflete lutas e conflitos de interesses entre diferentes agentes do campo científico e político, como os órgãos oficiais, as escolas, a mídia, o governo, entre outros que podem acabar envolvidos. (cf SILVA, 2007, p. 406, 407).

Desta forma, há uma espécie de continum em que o campo da Academia seria o extremo mais puro em relação ao campo escolar, que reflete os conflitos de interesses. No entanto, Silva aponta que é ilusório pensar que o ensino nos programas de graduação e pós-graduação não sejam afetados por estes conflitos. Mesmo que não se possa negar este argumento, ao que parece, é no campo da recontextualização que os conflitos se tornam mais latentes.

No caso específico da sociologia, há uma discussão e uma dificuldade em se decidir se o ensino escolar deve ser feito através de um discurso pautado em temas, conceitos, ou ainda, em autores, como os clássicos Marx, Weber e Durkheim, expresso nas próprias diretrizes curriculares nacionais (BRASIL, 2006, p.117). Esta controvérsia desemboca em uma pluralidade de métodos e escolhas dos professores do ensino médio qual demonstra a carência de pesquisas e discussão sobre tal situação.

Retomando o ponto sobre o conflito de interesses, o próprio fato de a sociologia estar como disciplina obrigatória reflete disputas em torno do currículo escolar. Esta é outra contribuição de Silva, quando aponta como os currículos materializam as lutas e como a presença ou não da sociologia como disciplina escolar está diretamente relacionada como o tipo de currículo definido. A autora separa em quatro os tipos de currículo existentes na história da educação escolar no Brasil.

O primeiro é o currículo científico tradicional que diferencia o ensino da elite do ensino comum, sendo que a sociologia aparece apenas no ensino da elite, por ser julgado aplicado a aspirantes do ensino superior. Outro currículo foi criado no período militar, em que ocorreu uma valorização do ensino profissionalizante. Silva chama este currículo de regionalizado tecnicista. Nele a sociologia é transformada em disciplinas gerais como estudos sociais ou moral e cívica. O modelo seguinte é o currículo por competências, no qual há uma valorização da formação para o imediato que é herança do currículo que o precedeu. Desta forma, apesar de mais flexível, é permeado por uma desvalorização das disciplinas tradicionais e, por isso, a sociologia é transformada em temas transversais que deveriam ser trabalhados de forma interdisciplinar ou em através de projetos criados pela escola. A contradição é que não foram disponibilizados recursos suficientes para que a escola fizesse isso. Por fim, desde 1998, tem-se uma espécie de retorno ao currículo científico, mas em um novo formato. Neste há uma busca por uma formação integrada, transcendendo o imediato, mas que não haja uma divisão entre a elite e a população em geral.  Como há uma valorização das ciências neste modelo, a sociologia retorna como disciplina curricular.

Como se pode perceber, o tipo de currículo define se a sociologia será ou não uma disciplina específica. O problema é que se vive hoje um processo de adaptação a este último modelo de currículo, mas é uma adaptação difícil em que por vezes ocorre um embate com o currículo por competências que o precedeu, resultando em uma situação em que há um discurso de mudança, mas a prática se mantém conservadora. O papel da sociologia no ensino médio fica no meio deste embate, sendo que até mesmo alguns professores de sociologia não concordam com o fato deste saber ser transformado em uma disciplina específica.

Em meio a este campo de forças, Silva ainda chama a atenção para mais um ponto. É sobre o posicionamento da Academia diante disso. A autora discute que boa parte das graduações em ciências sociais não está compromissada com a formação de professores para o ensino médio e destaca que, diante dos desafios da complicada relação das ciências sociais com a educação básica, é muito difícil para as instituições se posicionarem definindo orientações para a formação profissional.

Desta forma, as licenciaturas em ciências sociais encontram-se hoje diante de um grande desafio e que não as deixam imunes às lutas e embates, quer em torno da recontextualização e definição do discurso e da prática pedagógica, quer entre os próprios modelos de currículos, ou ainda, entre as entidades envolvidas. E este fato deixa latente a necessidade de transformar o ensino de sociologia no ensino médio em um autêntico objeto de investigação das ciências sociais, visto que até mesmo o nome de sociologia é impreciso, pois oculta em si os conteúdos da antropologia e da ciência política que também são ensinados.

Existem outras discussões possíveis em torno do assunto, mas o processo de transformação de uma disciplina acadêmica em escolar, o papel da sociologia nos diferentes modelos de currículos e o papel das licenciaturas em meio a este contexto podem ser tidas como as principais questões que envolvem a implementação e o desenvolvimento da sociologia como disciplina curricular do ensino médio. Embora Silva se atente mais à segunda, estas três questões pontuadas são peças chaves para se compor uma agenda  para se pensar o ensino de sociologia e, ao que parece, urge a necessidade de ganharem espaço no meio acadêmico. Enquanto não se resolver o que se espera da sociologia e dos alunos é difícil definir o que se espera do professor.

 

REFERÊNCIAS

BERNSTEIN, Basil. A Estruturação do Discurso Pedagógico. Petrópolis: Vozes, 1996.

BRASIL. Conhecimentos de Sociologia. In: Orientações curriculares para o ensino médio, Vol. 3, Ciências humanas e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. p. 99-133. Disponível em < https://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_03_internet.pdf >. Acesso em 06 set. 2013.

BRASIL. Lei Federal nº 11684. Diário Oficial da União. Brasília, 2 jun. 2008.

SILVA, Ileizi Fiorelli. A sociologia no ensino médio: os desafios institucionais e epistemológicos para a consolidação da disciplina. Cronos, Natal-RN, v. 8, n. 2, p. 403-427, 2007.

 



[1] Texto escrito inicialmente como avaliação na disciplina Saberes Escolares oferecida pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora para graduandos em Ciências Sociais e Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas. Disciplina ministrada pela professora Dra. Katiuscia Vargas Antunes, no primeiro semestre de 2013.

[2] Mestrando em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF como bolsista CAPES. Bacharel em Ciências Humanas (2012) e graduando em Ciências Sociais pela mesma instituição e bacharel em Teologia pela Faculdade Unida de Vitória – ES (2011). Desenvolvendo pesquisa na área de ciências sociais da religião, sob a orientação do professor Dr. Emerson José Sena da Silveira. E-mail: dnney@ibest.com.br