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AVRITZER;NAVARRO. A inovação democrática no Brasil

AVRITZER;NAVARRO. A inovação democrática no Brasil

Múltiplos olhares sobre o Orçamento Participativo: pesquisa e principais conclusões

 

Waldney de Souza Rodrigues Costa[1]

 

O livro A inovação democrática no Brasil: o orçamento participativo apresenta vários textos que trazem como tema o Orçamento Participativo (OP) que é uma experiência de participação comunitária local nas deliberações sobre a aplicação de recursos públicos. Muito discutida recentemente, tal experiência originou-se em Porto Alegre, onde o OP foi utilizado pela primeira vez em 1989, sob a gestão do Partido dos Trabalhadores (PT), na pessoa de Olívio Dutra. O livro foi construído em torno de uma estratégia de pesquisa em que “os pesquisadores compartilham métodos de análise e conceitos comuns sobre as consequências e os resultados do OP” (WAMPLER, 2003, p. 61). Esta estratégia metodológica permitiu uma análise do objeto em múltiplas perspectivas com a possibilidade da comparação entre contextos diferentes, o que parece ser o maior mérito deste empreendimento coletivo.

 

Todos os pesquisadores envolvidos compartilhavam uma questão em comum. Nas palavras de Avritzer (2003, p. 13) tratava-se de entender “até que ponto estaria ele [o OP] vinculado à singularidade da sua experiência inicial?”. Sendo assim, os textos que compõem o livro trabalham diferentes contextos em que o OP foi implementado, buscando entender as variações dos casos em relação ao contexto em que foi implementado pela primeira vez, com o objetivo de ampliar o escopo de análise sobre o OP, introduzindo discussões a respeito do aprofundamento da democracia.

 

Para tanto, a pesquisa foi estruturada em diferentes níveis. Primeiramente era preciso ter clareza da experiência inicial, tendo em vista que parece haver relativo consenso sobre a sua importância para o surgimento e consolidação da experiência do OP. Desta forma, todos os pesquisadores lançam mão de textos que tratam da experiência da capital gaúcha, para deduzirem as variáveis fundamentais para abordagem do OP. Tendo feito isso, os pesquisadores fazem diferentes análises, “cada uma delas implicando a extensão de, pelo menos, uma característica do OP que não está presente na experiência de Porto Alegre” (AVRITZER, 2003, p. 15). Assim, foram contemplados casos dentro da região metropolitana de Porto Alegre, bem como casos de municípios pequenos fora do Rio Grande do Sul. Este estado também foi considerado em uma análise que comparou o âmbito municipal com o estadual e ainda foram analisados os casos de Recife, por não estar atrelado a uma administração petista e o de Chapecó, por se tratar de um contexto híbrido entre o rural e o urbano.

 

Como os pesquisadores têm um ponto de partida comum (a experiência de Porto Alegre), há uma forte correspondência entre as variáveis consideradas fundamentais, embora a nomeação possa variar[1]. De maneira geral, são consideradas variáveis-chave, além da vontade política do executivo, a tradição associativa da população do contexto, o desenho institucional local e a capacidade da administração gerar recursos tributários para implantar políticas participativas. Tomando o sucesso do OP como variável dependente e tentando caracterizá-lo empiricamente, estas foram as principais variáveis independentes consideradas a partir da experiência inicial. Na comparação, foram levados em consideração contextos que agregavam alguma variável não presente nesta experiência, ou em que uma ou mais variáveis-chave estavam ausentes, ou se apresentavam de maneira diferente. Em todo caso, cada contexto comparado esbarrava em uma quinta variável que jamais possuiria: o tempo de implementação, visto que a capital gaúcha era a experiência mais antiga de OP (WAMPLER, 2003).

 

Entre todas as análises, destaca-se a de Teixeira (2003), pois, além de analisar três pequenos municípios rurais seguindo a proposta do livro, apresenta resultados de uma pesquisa do Fórum Nacional de Participação Popular (FNPP). Embora não permita uma análise do âmbito estadual, visto que os municípios foram tomados como unidades de análise, os dados desta pesquisa fornecem um perfil da implementação de OP no Brasil em âmbito local. Com base nas declarações das próprias administrações através de questionários, tem-se que pelo menos 103 municípios brasileiros têm experimentado o OP, sendo que uma grande maioria com menos de 500 mil habitantes, concentrados no eixo sul-sudeste e boa parte (52) sob a administração petista.

Diante desta realidade, a partir da proposta do livro, é possível dizer que há uma significativa variação das formas como o OP tem se adaptado a contextos completamente diferentes. Se a experiência inicial de Porto Alegre demonstra a grande importância de uma tradição associativista comunitária, é possível dizer que o OP não é capaz de gerá-la onde ela não exista e que nestes casos, haverá maior dependência da vontade política do governo. Também é possível dizer que, por ser um processo autorregulado, o OP é adaptável a vários contextos, desde que sejam mantidos os elementos deliberativos de seu desenho institucional. Neste ponto, há grande diferença entre os âmbitos municipal e estadual, visto que este último esbarra em uma série atores políticos juridicamente legítimos que podem afetar ou até impedir a cessão da soberania, característica básica do OP.

 

Por fim, quanto à questão secundária (mas não menos importante) a que os autores quiseram relacionar os dados, ou seja, a ampliação da democracia, é possível dizer que a análise dos diversos contextos em que o OP foi implementado fornece pelo menos quatro exemplos de casos em que há um aprofundamento da democracia. Primeiramente, quando há forte tradição associativista, o OP a potencializa, como foi o caso da capital gaúcha. Depois, mesmo quando não consegue alterar elementos fundamentais da cultura política e da infraestrutura associativa, o OP, ao acentuar elementos deliberativos no âmbito local, cumpre um importante papel na redistribuição de recursos. Tem-se também que, mesmo quando é introduzido sem surtir efeitos na rearticulação entre representação e participação, o OP potencialmente cria novos mediadores entre a sociedade civil e a sociedade política. Concluindo, têm-se os casos em que é o OP é aplicado em âmbito estadual. Embora seja o campo em que a viabilidade do modelo de Porto Alegre esteja mais nebulosa (por se tratar de uma mudança de escala que precisa enfrentar especificidades), o caso do Rio Grande do Sul demonstra que a implementação do OP traz implicações importantes sobre o desenho institucional do estado.

 

 

REFERÊNCIAS

 

AVRITZER, Leonardo. O Orçamento Participativo e a teoria democrática: um balanço crítico. In: AVRITZER, Leonardo; NAVARRO, Zander. A inovação democrática no Brasil: o orçamento participativo. São Paulo: Cortez, 2003. p. 13-60.

TEIXEIRA, Ana Cláudia Chaves. O OP em pequenos municípios rurais: contextos, condições de implementação e formatos de experiência. In: AVRITZER, Leonardo; NAVARRO, Zander. A inovação democrática no Brasil: o orçamento participativo. São Paulo: Cortez, 2003. p. 189-215.

WAMPLER, Brian. Orçamento Participativo: uma explicação para as amplas variações nos resultados. In: AVRITZER, Leonardo; NAVARRO, Zander. A inovação democrática no Brasil: o orçamento participativo. São Paulo: Cortez, 2003. p. 61-86.



[1] Aquilo que Wampler (2003, p. 77) chama de “compromisso político da administração”, Teixeira (2003. p. 209) chama de “vontade política”, sem que haja grande diferença de significado entre as duas expressões



[1] Mestrando em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF como bolsista CAPES. Bacharel em Ciências Humanas (2012) pela mesma instituição e em Teologia pela Faculdade Unida de Vitória – ES (2011). Desenvolvendo pesquisa na área de ciências sociais da religião, sob a orientação do professor Dr. Emerson José Sena da Silveira. E-mail: dnney@ibest.com.br